George Orwell - Do amor pela literatura à uma vida castigada
- Almir Paz
- 26 de mai. de 2021
- 4 min de leitura
É curioso pensar - para não dizer, intrigante, sobre a vida de uma determinada personalidade ou ídolo que seja; quanto ser humano - seus desejos, suas inclinações e reputação. Quase sempre, para nós, nos vem a imagem de algo imaculado, mesmo que este, deixe explícito alguns de seus preconceitos e receios, ainda assim, num tom velado o concebemos como tal.
Muito antes da manhã do dia 21 de Janeiro, de 1950, quando não resistiu a uma forte hemorragia devido ao estágio avançado de tuberculose, Eric Blair, ou, o consagrado George Orwell, sabia que não havia mais esperanças, nem forças para seguir a vida. Sua aspiração literária nesses momentos finais, sempre acompanhado da doença crônica, o fez refletir além da tragédia pessoal, o rumo em que o contexto político da época sugeria e um desfecho por ele canonizado, como: "Se quer uma imagem do futuro, imagine uma bota a espenizar uma cara humana... para sempre!" Foi uma de suas últimas declarações, enquanto prestava entrevista a respeito do livro Nineteen Eighty-Four, à BBC, que conclui: " A moral, a ser retirada desta perigosa situação de pesadelo, é uma simples: Não deixes acontecer. Depende de ti."
Diante dos fatos, não se pode negar a veia literária, igualmente o rigor intelectual que Orwell, impulsionado pela paixão, concebia as suas obras e, quem bem as conhece, não se restringe a Revolução dos bichos e 1984, mas inclui ensaios, resenhas, peças radiofônicas, romances e matérias jornalísticas, numa inconfundível marca que somente um entusiasta político-literário como ele o faria, deixando assim, seu legado à posteridade.
É curioso pensar - para não dizer, intrigante, sobre a vida de uma determinada personalidade ou ídolo que seja; quanto ser humano - seus desejos, suas inclinações e reputação. Quase sempre, para nós, nos vem a imagem de algo imaculado mesmo que este, deixe explícito alguns de seus preconceitos e receios, ainda assim, num tom velado o concebemos como tal. Foi após ler boa parte das obras de Orwell traduzidas para o português, que cheguei a essa conclusão. Das ultimas, remete uma série de cartas que o autor troca entre amigos, editores e leitores desconhecidos, a partir daí, é possível notar a perspectiva de um Orwell de carne e osso que se pronuncia em primeira pessoa:
Caro sr. Usborne,
Muito obrigado por sua carta do dia 22. Vou responder às suas perguntas da melhor maneira. Nasci em 1903 e estudei em Eton, onde tive uma bolsa de estudos [...] quanto à política, interessei-me pelo assunto apenas de modo intermitente até por volta de 1935, mas posso dizer que sempre fui mais ou menos de " esquerda''. [...] Depois de dar uma boa olhada na pior face do industrialismo britânico, ou seja, nas áreas de mineração, cheguei à conclusão de que é um dever trabalhar pelo socialismo, mesmo que se seja emocionalmente atraído por ele, pois a continuidade da situação atual é simplesmente intolerável, e nenhuma solução, exceto algum tipo de coletivismo , é viável, porque é isso que a massa do povo quer [...]
Mas o que me chama de fato atenção ao autor, são suas tragédias pessoais, talvez sua maior genialidade foi ter retratado realidade em literatura, quando ele mesmo se considerava perseguido pelo "fracasso, fracasso, fracasso", vale lembrar que, apesar de todo esse pessimismo, os fatores externos era o exponencial de Orwell, aponto aqui as duas "grandes" guerras, a escassez de tudo que se possa imaginar e, consequentemente, de um mundo sem esperanças onde o futuro era tão incerto que dele se podia apenas esperar a eterna vigilância " O grande irmão zela por ti", foi o recorte do autor às formas de espionagens e sanções que imprimiam a perda da individualidade do pós-guerra, herança de um sistema autoritário, agora imposto pela extinta URSS e que segundo Adouls Huxley, num futuro não distante, tomaria uma forma "não baseada no terror, mas na manipulação mental, onde todos se contentariam em servir e obedecer". Quantas vezes nos pegamos insatisfeitos por não acompanhar a ditadura do corpo perfeito, das quantidades de likes nas redes social, ou, mesmo, por não conseguir alcançar a máxima de todas, a tal ditadura da felicidade, movida por um mecanismo ilógico da publicidade megalomaníaca, que se vem a calhar, frustra.
O descontentamento de suas convicções ideológicas, os sucessivos atentados, a morte de Eileen; sua primeira esposa que não resistiu a um procedimento cirúrgico em 1944, deixando além do marido, Richard, filho adotivo do casal que na época era um bebê de colo, assim como a tuberculose, modelaram o imaginário de Orwell que, contudo, não se deixara abalar.
Não raro, nesse contexto, é possível notar em Orwell alguns aspectos enquanto a frieza diante da perda da primeira esposa. Nas correspondências entre amigos sobre o assunto, apenas algumas referências curtas e indiretas. Naturalmente, guardava consigo a dor da perda. Mas um entendimento histórico do homem da época leva a crer que: "A dor e o sofrimento eram considerados relativos, e tendo em vista o que milhões de pessoas viveram nas duas 'grandes' guerras, a perda pessoal, era sentida em contextos. Sofria-se em silêncio." Como bem colocou o editor do prefácio, The lost Orwell, Peter Davison.
Seu último e mais célebre romance," Nineteen Eighty-Four; edição inglesa, ou, 1984; ed. Americana", foi concluído quando permanecia em um sanatório, em março de 1949. Com a saúde cada vez mais debilitada e em constante observação médica, alimentava esperanças de recuperação para se dedicar ao filho Richard, tanto que chegou a casar-se com a também escritora e jornalista, Sonia Brownell em 13 de outubro do mesmo ano, que ambos planejavam uma viagem à Suíça, logo após ter alta; assim como, aguardava a chance de praticar seu passatempo predileto, a pescaria, mas esse dia não veio. Quando faleceu sábado na manhã do dia 21 de janeiro 1950, Orwell deixou no quarto de hospital, não apenas suas amadas varas de pescar ou algumas de de suas novas roupas que de acordo com ele: Quando poderei vestir alguma roupa, só Deus sabe.Porém, as encomendei para manter o moral elevado'', mas mais que isso, deixou sua uma marca na história da humanidade.
- Almir Paz
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